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As emendas parlamentares na República Provinciana do Brasil

Atualizado: 5 de nov. de 2024

No auge da campanha eleitoral de 2018, Paulo Guedes, que viria a ser o “super-ministro” do governo Bolsonaro, entoava para quem quisesse ouvir um já conhecido jargão da política brasileira, “mais Brasil e menos Brasília”. A frase, proferida diversas vezes pelo ex-ministro da economia, era interpretada como um compromisso do governo em redistribuir os poderes (dinheiro) da União para dar mais autonomia aos Estados e Municípios. O problema é que ninguém imaginaria o quanto de poder seria dado.

Para ser justo com Guedes, é preciso reconhecer que o problema das emendas parlamentares não começou em sua gestão. Para entender a origem do problema, é necessário voltar ao Brasil pós-ditadura.

Antes disso, cabe uma contextualização. Na década de 80, o cientista político Sérgio Abranches introduziu um novo conceito para o sistema político brasileiro: o presidencialismo de coalizão. No presidencialismo de coalizão, em síntese, o Presidente da República precisa fazer acordos políticos com o Congresso Nacional para reunir condições mínimas de governabilidade. Em outras palavras, um governo sem base no Congresso Nacional não aprova nada e, consequentemente, não governa (tese empiricamente testada e comprovada).

No pós-ditadura, o presidencialismo de coalizão era o que havia. Negociação de cargos, liberação de emendas parlamentares, a aprovação de um projeto de lei de interesse da oposição com apoio do governo, todas práticas do jogo político, afinal, a política é feita de acordos.

Apenas para mostrar o quanto era (e ainda é) necessário ter apoio parlamentar, um dos mais comentados escândalos de corrupção do começo de século se baseou nisso. Em 2005, o então Deputado Federal Roberto Jefferson (sim, aquele) delatou um esquema de compra de votos de parlamentares. Delatou-se que o governo pagava R$30.000,00 (trinta mil reais) por mês para parlamentares em troca de apoio no Congresso, escândalo que ficou conhecido como Mensalão Petista. Pessoas foram condenadas, o todo poderoso ministro da Casa Civil, José Dirceu, caiu e o governo Lula I foi abalado.

De volta às práticas regulares da política, a liberação de emendas parlamentares era uma ferramenta utilizada pelo governo para conquistar o apoio dos parlamentares. Explica-se.

As emendas parlamentares são alterações realizadas, pelos Deputados Federais e Senadores, no Orçamento Federal. São alterações que visam destinar alguma verba para uma área de interesse de um parlamentar, por exemplo, construir um hospital ou uma escola em um município, fazer uma quadra poliesportiva, comprar uma ambulância, realizar melhorias nesse sentido. 

Existiam, até 2019, 4 espécies de emendas parlamentares: (i) a emenda individual, proposta por cada parlamentar e com uma finalidade definida ; (ii) a emenda de bancada, propostas por cada bancada estadual ou distrital para destinar verbas aos Estados e ao Distrito Federal; (iii) a emenda de comissão, propostas pelas comissões temáticas das casas; e (iv) a emenda de relator, proposta pelo parlamentar relator do orçamento como uma forma de correção de erros e omissões no orçamento, essa sem nenhuma especificidade de para onde a verba vai.

Contudo, as emendas não eram o objeto de maior cobiça entre os parlamentares. Naquela época, ter cargos importantes, como um ministério, era muito mais interessante.

As emendas parlamentares eram, até a promulgação da Emenda Constitucional n. 86, despesas discricionárias do Executivo, ou seja, em última análise, caberia ao Presidente da República decidir executar as emendas e mandar verbas para os Municípios e Estados dos congressistas. Em síntese, as emendas eram a ferramenta de negociação do Executivo com o Legislativo, os deputados e senadores apoiavam o governo e o governo mandava dinheiro para as bases eleitorais dos deputados e senadores.

Portanto, como as emendas eram discricionárias, ter ministérios era o maior alvo de cobiça entre os partidos políticos, pois quem executa o orçamento são os ministérios.

Ocorre que, em 2015, a maior ferramenta de negociação do Executivo com o Legislativo, após votação de ⅗ em dois turnos, se esfarelou. As emendas individuais passaram a ser impositivas, ou seja, o governo teria que executá-las, com ou sem o apoio dos parlamentares. Mas não parou por aí.

Em 2019, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n. 100, que tornou, também, as emendas de bancada impositivas. A relação do Congresso com o Executivo, que antes era quase de submissão, se tornou de imposição, literalmente.

Ademais, outra questão vai ser fundamental na linha do tempo. Ainda em 2019, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional n. 105, que passou a prever uma nova modalidade para as emendas individuais - a emenda na modalidade transferência especial, que não prevê a necessidade de celebração de convênio ou instrumento do tipo para repasse, ou seja, é um repasse direto para os Estados ou Municípios, sem ter que indicar nenhuma finalidade específica.

Aqui, já ficou claro que o “mais Brasil e menos Brasília” foi colocado em prática, mas a situação ainda iria se alterar muito.

Em 2020, o governo Bolsonaro estava em frangalhos no Congresso, com dezenas de pedidos de impeachment, sem base parlamentar no governo e sem moedas de negociação orçamentária. Foi aí que surgiu a ideia que iria pôr em prática todo o provincialismo brasileiro. O que aconteceria se fosse destinada uma grande quantia do orçamento para uma emenda até então insignificante, que não possui finalidade definida, e mais importante, que é discricionária?

A emenda do relator, até então usada para corrigir omissões e erros materiais, passou a ser o instrumento de negociação política mais importante da República. O governo Bolsonaro formou uma base parlamentar e os congressistas tinham acesso a uma grande fatia do orçamento.

O problema é que a emenda do relator não possui finalidade específica, não havia transparência no destino da verba pública, logo, as emendas discricionárias ficaram conhecidas como Orçamento Secreto.

Nesse ponto, o provincialismo já era a regra no Brasil. Os parlamentares mais importantes destinavam uma quantidade enorme de emendas para seus redutos eleitorais, o que é legítimo politicamente, mas, do ponto de vista técnico, muitas vezes é ruim.

É claro que um deputado, por exemplo, sabe o que é politicamente mais interessante para ele em seu município, em outras palavras, sabe onde ele deve alocar recursos para conquistar mais votos. Ocorre que, às vezes, essa alocação não é necessariamente a que o município mais precisa. Às vezes, por exemplo, o Município precisa de um Unidade de Pronto Atendimento, mas o Deputado sabe que uma quadra poliesportiva renderia mais votos, então o dinheiro é repassado para a construção da quadra.

Um nítido exemplo dessa má alocação de gastos públicos e provincialismo político é o ocorrido com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Em 2019, 85% do valor empenhado e liberado pelo FNDE foi decisão do Governo Federal, que tem dados e informações técnicas que indicam qual região precisa de mais verba para a educação. Já em 2020, os parlamentares foram quem determinaram o empenho das verbas, e o governo não participou de nenhuma decisão. Mais Brasil e menos Brasília.

No fim de 2022, já com a eleição do Presidente Lula, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do Orçamento Secreto. As emendas de relator não podiam mais ser utilizadas para criar despesas vultosas sem indicar a finalidade, ou seja, dar o mínimo de transparência.

Entretanto, a questão da transparência e da tecnicidade de encaminhamento de recursos não se resolveu. Na votação do orçamento, o Congresso conseguiu salvar as verbas que seriam da emenda do relator para as emendas individuais impositivas. Aqui as emendas individuais na modalidade transferência especial se tornam importantes.

Diferentemente das emendas de relator, as “emendas pix”, como ficaram conhecidas as emendas individuais na modalidade transferência especial, são impositivas. Dessa forma, ainda que os parlamentares não precisem indicar a finalidade das emendas, o governo precisará executá-las, sem nenhuma contrapartida de apoio.

Em agosto de 2024, o Ministro Flávio Dino, do STF, suspendeu provisoriamente a execução orçamentária das “emendas pix”. Após, o plenário virtual do Supremo, por 11x0, manteve a decisão de Dino. Contudo, depois de uma reunião entre os Três Poderes, ficou acordado que os repasses para os municípios e estados vão continuar, mas o Congresso terá que adotar regras de transparência.

Destaca-se que toda essa luta travada pelo Congresso Nacional para ter acesso ao orçamento é legítima. Os congressistas têm o direito de encaminhar verbas para seus municípios e estados, afinal, o deputado federal, às vezes, é o único responsável por levar verbas para o seu município.

Entretanto, diante da enorme fatia do orçamento reivindicada pelo Congresso, maior até que do próprio Executivo, como no caso de emendas para a saúde, em que o Congresso destinou mais recursos do que o próprio Ministério da Saúde, como ficam aqueles municípios que não conseguiram eleger um deputado federal, ou então aqueles municípios em que o prefeito é adversário político do deputado ou senador?

É esta desigualdade na aplicação de verbas entre os municípios, muitas vezes atécnica, que torna o Brasil uma República Provinciana. Uma República que se importa muito mais com os redutos políticos dos parlamentares do que com o disposto no art. 3º, inciso III, da Constituição Federal, que determina como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

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