Até Onde Vai a Sua Liberdade de Expressão? Ela Termina Onde Começa a do Outro
- Giovana Gonzaga
- 7 de fev.
- 4 min de leitura
A liberdade de expressão é uma das conquistas mais preciosas das sociedades democráticas. Ela simboliza a possibilidade de cada indivíduo expressar suas ideias, opiniões e sentimentos sem o temor da repressão estatal. No Brasil, esse direito está garantido pela Constituição Federal de 1988, especialmente no artigo 5º, que assegura a livre manifestação do pensamento, vedando o anonimato, e no artigo 220, que protege a liberdade de comunicação social. Mas a liberdade de expressão, embora essencial, não é absoluta. Vivemos em um mundo onde o impacto das palavras nunca foi tão profundo, em um cenário global e nacional marcado pela polarização, pelo crescimento da desinformação e pelo uso indevido das redes sociais como armas de ataque pessoal e manipulação de massas. Por isso, a pergunta que precisamos responder é: até onde vai a sua liberdade de expressão? A resposta é clara: ela termina onde começa a do outro.
O contexto atual exige uma reflexão cuidadosa sobre o papel da liberdade de expressão em uma sociedade democrática. Em 2025, o Brasil e o mundo enfrentam desafios crescentes relacionados à preservação das liberdades individuais e à proteção das instituições democráticas. No cenário nacional, os últimos anos mostraram o quanto o mau uso da liberdade de expressão pode colocar em risco a própria democracia. Os ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foram um exemplo contundente de como a manipulação de informações e discursos de ódio pode ser instrumentalizada para fomentar o caos e a violência. A liberdade de expressão, quando desvirtuada, deixa de ser uma ferramenta de diálogo e se transforma em uma arma perigosa.
No plano internacional, as democracias mais consolidadas também enfrentam crises semelhantes. Os Estados Unidos, berço do liberalismo democrático, têm lutado para conter o crescimento de movimentos extremistas que se valem da liberdade de expressão para propagar discursos de ódio e desinformação. Na Europa, o combate às fake news e a regulação das grandes plataformas digitais estão no centro do debate público, numa tentativa de encontrar um equilíbrio entre a proteção da liberdade e a necessidade de responsabilização. Não há dúvidas de que a era digital trouxe ganhos inestimáveis para a liberdade de expressão, democratizando o acesso à informação e possibilitando que vozes antes silenciadas fossem ouvidas. No entanto, a ausência de filtros e a velocidade com que as informações se espalham tornaram as redes sociais um território complexo, onde o limite entre a opinião legítima e o discurso abusivo nem sempre é claro.
No Brasil, o desafio de conciliar liberdade e responsabilidade é particularmente sensível. A Constituição de 1988 foi concebida como uma resposta aos anos de censura e repressão da ditadura militar. O texto constitucional assegurou direitos fundamentais, entre eles a liberdade de expressão, que durante décadas foi entendida como uma conquista inquestionável. No entanto, o avanço das tecnologias de comunicação e a massificação do uso das redes sociais trouxeram novas questões para o debate público. Em que momento a liberdade de expressão deixa de ser um direito e se transforma em um abuso? A legislação brasileira avançou para responder a essa pergunta. O Marco Civil da Internet, instituído pela Lei nº 12.965/2014, foi um marco importante, estabelecendo diretrizes para o uso da internet no Brasil. Mais recentemente, a Lei nº 14.532/2023 ampliou a punição para crimes de preconceito nas redes sociais, reforçando o compromisso do país com a proteção dos direitos fundamentais e a convivência pacífica no ambiente digital.
A liberdade de expressão não pode ser utilizada como um escudo para a intolerância. É preciso compreender que esse direito não protege discursos de ódio, incitação ao crime ou ofensas pessoais. O artigo 5º da Constituição assegura não apenas a liberdade de manifestação, mas também a proteção à honra, à imagem e à dignidade das pessoas. Assim, quando uma manifestação ultrapassa os limites do respeito e passa a violar esses direitos, ela deixa de estar amparada pela liberdade de expressão e passa a ser um ato ilícito, passível de sanção legal. Esse equilíbrio entre liberdade e responsabilidade é a essência de uma sociedade verdadeiramente democrática.
As redes sociais, por sua vez, tornaram-se palco de intensos debates e disputas ideológicas, mas também de ataques e perseguições. O ambiente digital potencializou o alcance das palavras, transformando comentários aparentemente inofensivos em verdadeiras armas que podem destruir reputações e causar danos irreparáveis. Casos de cyberbullying, linchamentos virtuais e a disseminação de fake news são exemplos claros de como o uso irresponsável da liberdade de expressão pode ter consequências devastadoras. É nesse contexto que a responsabilidade individual se torna central. Cada cidadão precisa entender que o direito de se expressar livremente vem acompanhado do dever de respeitar os direitos dos outros. A sua liberdade termina onde começa a do outro — e isso não é apenas uma regra de convivência, mas um princípio fundamental para a manutenção da ordem democrática.
A crise de desinformação que o Brasil enfrenta nas últimas eleições é um alerta importante. A disseminação deliberada de notícias falsas foi usada para manipular o debate público e desestabilizar as instituições democráticas. Muitas dessas práticas foram justificadas sob o manto da liberdade de expressão, mas a verdade é que a desinformação, assim como o discurso de ódio, não é protegida pela Constituição. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido um ator importante na defesa desse equilíbrio, reafirmando reiteradamente que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade e em consonância com outros direitos fundamentais.
Defender a liberdade de expressão é, acima de tudo, defender a democracia. Mas não há democracia sem respeito, sem ética e sem responsabilidade. O verdadeiro exercício da liberdade está em saber dialogar, discordar e manifestar opiniões sem jamais ultrapassar os limites do respeito humano. A convivência em sociedade exige que cada um de nós compreenda e respeite esses limites. Não se trata de calar vozes ou de impor censura, mas de garantir que a liberdade seja um instrumento de construção, e não de destruição.
Portanto, o momento exige que reflitamos sobre como queremos exercer a nossa liberdade de expressão. Queremos usá-la para fortalecer a democracia ou para fragilizá-la? Queremos construir pontes ou levantar muros? O mundo de 2025 nos coloca diante de escolhas cruciais. As palavras têm o poder de transformar o mundo, mas também podem feri-lo profundamente. Cabe a nós decidir como usá-las. A verdadeira liberdade não está na ausência de limites, mas na sabedoria de reconhecê-los e respeitá-los. Afinal, a sua liberdade de expressão só vai até onde começa a do outro — e essa é a regra de ouro para uma sociedade mais justa, plural e democrática.
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