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Da Estória ao Post: A Informação na Era Algorítmica

“Em vez de construírem uma rede a partir de cadeias apenas de humanos entre humanos — como faziam os neandertais, por exemplo —, as estórias forneciam ao Homo sapiens um novo tipo de cadeia: de humanos entre estórias. Para cooperarem, os sapiens não precisavam mais se conhecer pessoalmente; bastava conhecer a mesma estória. E a mesma estória pode ser familiar a bilhões de indivíduos. Assim, uma estória pode servir como um conector central, com um número ilimitado de saídas às quais um número ilimitado de pessoas pode se ligar.”

O argumento central desenvolvido por Yuval Noah Harari em seu livro “Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial”, evidencia que desde a pré-história, o compartilhamento de informações sempre esteve relacionado ao estabelecimento de conexões entre os seres humanos. Seja objetivamente, aumentando o quantitativo de aliados a cooperarem para sua subsistência, ou subjetivamente, preenchendo a aspiração - inerente à natureza humana - de ser ouvido, dividir suas narrativas e percepções sobre o mundo sempre beneficiou o homem.

Assim, o ser humano sempre foi um ser simbólico, de comunicação e de linguagem. Até que a liberdade de expressão universal constituísse as bases da democracia contemporânea, os historicamente desfavorecidos lutaram pelo direito à manifestação. Não à toa, o desejo de ser escutado engajou a sociedade em importantes conquistas civis, como o sufrágio universal.

Se na Pólis grega a discussão política se restringia aos homens livres, maiores de idade e de origem e linhagem ateniense, hoje o acesso à internet confere ao usuário aptidão de se posicionar e de se conectar. 

Com a expansão da internet, a lógica se inverteu: era difícil falar, hoje o desafio é ser ouvido. Os sites, blogs e redes sociais criaram comunidades que fortaleceram a inclusão de indivíduos no debate público, dando voz à sociedade civil e contribuindo para o dinamismo político. Mas, a difusão informacional irrestrita trouxe consequências. 

No passado, a imprensa profissional representava o centro do debate público, e seguia à risca padrões técnicos e éticos no jornalismo, além de ser responsabilizada em caso de conteúdo danoso, como notícias falsas. Nas redes, a aptidão para publicar livremente, sem moderação de conteúdo ou responsabilização dos usuários levou a um aumento expressivo de discursos impróprios e ilegais. A partir disso, os indivíduos se enclausuraram em câmaras de eco, reforçando suas próprias crenças e referências - dado que falam apenas para si mesmos nas suas respectivas bolhas de informação. 

Essa lógica do discurso nas redes sociais tem, ainda, um poderoso agravante: o algoritmo. É que por meio da extração de dados de cada usuário, a experiência online se tornou personalizada, o conteúdo é filtrado para ser apresentado de acordo com os interesses preexistentes. Desse modo, os engenheiros de dados substituem os jornalistas na transmissão da informação, pois a meta, claro, é engajar, e não informar. 

E as consequências desses “cheap speeches” potencializados não se restringem ao ciberespaço, haja vista que se materializam em movimentações criminosas, como a invasão ao Capitólio e o 8 de janeiro. Às máscaras da liberdade de expressão, o discurso de ódio, a instigação à ilicitude e a mentira não só circulam irrestritamente nas plataformas, como têm seu alcance ampliado pelo machine learning.

As redes sociais conferem à sociedade a possibilidade de múltiplas opiniões coexistirem, o que fortalece a consciência política e permitiu que múltiplas visões de mundo sejam apresentadas aos usuários. No entanto, a realidade é uma só. As manifestações de pensamento devem se desenvolver a partir da realidade objetiva - respeitando-a como ela é - e, a partir da verdade fática como pressuposto indiscutível, é livre a discordância. 

Durante nove meses, astronautas da NASA ficaram “presos” na Estação Espacial Internacional (ISS) e não conseguiam retornar à Terra. Nas redes, os usuários divergiam sobre a situação: houve quem se dizia aflito pela demora no retorno e houve quem dizia que a situação era previsível e habitual nas missões internacionais. 

O debate é válido e saudável. A exposição de opiniões e percepções sobre os acontecimentos é o cotidiano das redes sociais. Contudo, o que não deve ser tolerável é dizer que os astronautas orbitam uma terra plana, ou que os astronautas foram deixados na ISS por “razões políticas”.

A cada cidadão é assegurado o direito a ter sua própria opinião, mas não o direito de ter seus próprios fatos. Aceitar uma organização social tribal, em que pequenos grupos fantasiam e difundem narrativas equivocadas e mentirosas sobre o mundo é aceitar a barbárie. 

Sabemos que à sociedade são impostos certos padrões de comportamento, visando o bem-estar universal. Redes sociais e sociedade não são água e óleo; a regulação social estende-se ao ciberespaço. Assim, como já manifestou o STF, a liberdade de expressão deve ser cotejada pelo binômio liberdade-responsabilidade, cabendo às instituições fiscalizar e punir transgressões à legalidade nas plataformas.

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