Direito sucessório dos filhos concebidos por inseminação artificial post mortem
- Lucas Fonseca Castro
- 23 de out. de 2024
- 5 min de leitura
Lucas Fonseca Castro
Os planos para formar uma família está presente em toda a sociedade, muitos tem como sonho gerar filhos biológicos e isso leva muita expectativa por parte dos pais. Porém, nem todos os casais irão ter essa mesma facilidade, ou seja, existem parceiros que não conseguem gerar filhos de maneira natural. Atualmente com os avanços científicos e tecnológicos na medicina é possível a reprodução desses filhos de maneira assistida.
Essa reprodução é uma alternativa para esses casais que não conseguem atingir a maternidade ou paternidade natural por motivos como infertilidade, falta de parceiro, maternidade tardia, entre outros.
A inseminação artificial homóloga e heteróloga é um reflexo de grandes avanços científicos e tecnológicos, visando efetivar o fácil acesso a maternidade e a paternidade.
Na reprodução heteróloga o material genético pertence a um terceiro ou doador anônimo, o marido consentindo com o procedimento realizado, por presunção legal será o pai. O material doado poderá ser óvulo ou sêmen que vai de acordo com o interesse do casal,o Código Civil no artigo 1.597 no inciso v reconhece essa reprodução, desde que haja a prévia autorização do marido, já que se trata de material genético de terceiro.
Na reprodução homóloga post mortem o procedimento é realizado quando a viúva utiliza o sêmen do marido falecido. Homóloga é a técnica de reprodução em que os gametas utilizados no procedimento são do próprio casal, sem intervenção de um terceiro.
A reprodução homóloga é reconhecida pelo Código Civil no Art. 1.597, inciso III,que presume a paternidade até mesmo do filho concebido por inseminação artificial homóloga, ainda que falecido o seu genitor.Mas, para o efetivo uso do material genético após a morte, deve existir a autorização prévia do cônjuge ou companheiro. O enunciado 106 da I Jornada de Direito Civil traz exatamente o mesmo conceito ao dizer que “para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.
Maria Berenice Dias (2022, p. 230) leciona que “sem autorização expressa, os embriões devem ser descartados, já que não se pode presumir que alguém queira ser pai depois de morto”.
Sobre a inseminação artificial homóloga post mortem, é importante observar que, o Código Civil de 2002 não trouxe avanços significativos na área de reprodução humana assistida, nem regulamenta a implantação de embriões após a morte de um membro do casal, deixando uma lacuna legislativa.Todavia, a matéria é legislada pelo Conselho Federal de Medicina por meio da Resolução nº 2.294/2021,prevê o capítulo VIII que como citado acima, é permitida a reprodução assistida post mortem, mas desde que haja autorização do falecido para o uso do material biológico preservado.
No que toca aos direitos da criança o CNJ por meio do provimento nº 63 de novembro de 2017, dispõe sobre a certidão de nascimento que pode ser emitida com a indicação de ambos os genitores, sobrevivente e falecido, desde que o primeiro apresente toda a documentação exigida no ato do registro.
É importante trazer o sentido da palavra “sucessão”, nas palavras de Maria Berenice dias (2022) suceder significa substituir, tomar o lugar de outro. Se uma pessoa toma o lugar de outra fica evidente que uma sucede à outra.
No universo jurídico o significado é semelhante, pois essa substituição de um titular de direito se refere também a coisas, bens direitos ou encargos. Para Pablo Stolze (2023, p. 20)"a sucessão é um meio de garantir a continuidade do patrimônio e a proteção dos direitos dos herdeiros".
Com referência aos direitos sucessórios o artigo 1.784 do Código Civil diz que a transmissão dos bens ocorre com a abertura da sucessão, ou seja, os herdeiros passam automaticamente a serem coproprietários e copossuidores do patrimônio do morto.
Contudo, é necessário verificar a aplicação de direitos em relação ao filho que nasce após a morte de seu genitor. Em primeiro momento é importante analisarmos os princípios constitucionais relacionados ao tema.
O artigo 227 da Constituição Federal traz o conceito da igualdade entre os filhos “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Observa-se aqui que não existe mais distinção entre os filhos havidos durante, antes ou depois do casamento. Diante desse princípio fica claro que não há diferença entre os filhos, sendo assim todos têm os mesmos direitos e então os filhos concebidos por meio da reprodução assistida homóloga não podem ser excluídos.
Outro princípio que necessita atenção é o livre planejamento familiar, ou seja, o casal tem livre autonomia para escolher como a família será formada, então podemos dizer que esse princípio acolhe os métodos de reprodução assistida.
O assunto ainda está distante de pacificação, o que se pode afirmar é que existem entendimentos doutrinários distintos. Existem três correntes principais sobre o tema, uma entende que de acordo com o 1.798 CC, somente poderiam suceder as pessoas nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão, ou seja, ficam fora da sucessão pois o material genético do de cujus foi utilizado para fertilização após a sua morte.
A segunda corrente defende que o filho póstumo será reconhecido como herdeiro testamentário e não legítimo, observando o artigo 1.799, inciso Ido CC, que trata da prole eventual como direito à sucessão no prazo de dois anos. Superado esse prazo não seria considerado herdeiro, mas seria reconhecido como filho.
A terceira corrente é a possibilidade desse filho ter sim direitos sucessórios combase nos princípios constitucionais mencionados anteriormente.
É evidente que a nossa legislação não é específica sobre o tema e o que torna o assunto ser ainda mais debatido é a grande discussão doutrinária. Por enquanto o que podemos observar são posicionamentos do Poder Judiciário e os direitos atinentes ao filho póstumo e seus genitores e que em breve exista uma regulamentação sobre o tema.
Referências
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. 11. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.
BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 11 jan. 2002.
IBDFAM. O direito sucessório dos filhos concebidos por inseminação homóloga post mortem. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1798/O+direito+sucess%C3%B3rio+dos+filhos+concebidos+por+insemina%C3%A7%C3%A3o+hom%C3%B3loga+post+mortem. Acesso em: 25nov. 2024.
BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 25nov. 2024.
IBDFAM. O direito à sucessão dos filhos concebidos “post mortem” no campo da reprodução artificial. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1719/O+direito+%C3%A0+sucess%C3%A3o+dos+filhos+concebidos+%E2%80%9Cpost+mortem%E2%80%9D+no+campo+da+reprodu%C3%A7%C3%A3o+artificial. Acesso em: 03 nov. 2024.
BRASIL SALOMÃO. A viabilidade da reprodução assistida post mortem no Brasil e alguns direitos da criança concebida. Disponível em: https://www.brasilsalomao.com.br/a-viabilidade-da-reproducao-assistida-post-mortem-no-brasil-e-alguns-direitos-da-crianca-concebida/#:~:text=Significa%20dizer%20que%20atualmente%2C%20ap%C3%B3s,casal%20que%2C%20em%20momento%20anterior%2C. Acesso em: 02 out. 2024.
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado n. 737. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/737. Acesso em: 02 out. 2024.
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