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Emenda-se muito porque se regulamenta pouco

O Brasil já teve sete Constituições e, desde 1988, vive sob a égide de uma que, embora democrática e garantidora de direitos, é também detalhista e constantemente alterada. O número é simbólico: de 49 emendas em 97 anos, saltamos para mais de 134 em apenas 36 anos. Um fenômeno que instiga: por que emendamos tanto?

A resposta começa na própria estrutura da Constituição de 1988, que é analítica, extensa e ambiciosa. Diferentemente de constituições sintéticas (como a dos EUA), a nossa traça metas, prevê políticas públicas, orienta comportamentos estatais e, ainda, exige regulamentações infraconstitucionais — as chamadas Leis Complementares. E é aí que mora um dos nossos maiores paradoxos jurídicos: há mais emendas constitucionais do que regulamentações necessárias.

Normas programáticas e de eficácia limitada abundam na Constituição, mas muitas delas jamais saíram do papel. Falta ação legislativa. Exemplos clássicos? O direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII) ainda depende de uma lei que nunca veio. O mesmo ocorre com a previsão de perda de cargo por insuficiência de desempenho (art. 41, § 1º, III) ou a organização dos territórios federais (art. 33). Sem regulamentação, essas normas são promessas constitucionais suspensas no tempo.

Na ausência dessas leis, recorre-se a emendas para tratar do que deveria ser objeto de lei complementar. Emenda virou remendo, e a Constituição passou a acumular costuras que destoam da sua estrutura original.

Na pesquisa que desenvolvo, volto os olhos também ao passado: da Emenda Constitucional de 1926, que fortaleceu o Executivo em meio ao estado de sítio de Arthur Bernardes, passando pelas reformas de 1950 e pela enxurrada de alterações nos anos de regime militar — 41 emendas entre 1964 e 1985 — até os tempos atuais, quando até dispositivos como "na forma da lei" viraram quase sinônimos de "um dia, quem sabe".

Hoje, dos 480 dispositivos passíveis de regulamentação na Constituição de 1988, 93 ainda não têm sequer proposta legislativa em tramitação. O Brasil edita emendas como se consertasse um motor antes de tentar ligá-lo com a chave certa. E esse hábito cria instabilidade, compromete a coerência normativa e afasta o cidadão do texto constitucional.

Regulamentar bem pode evitar emendar demais. E talvez, ao fortalecermos a cultura das leis complementares, passemos a respeitar a Constituição como projeto de país — não como rascunho de um desejo político sempre pendente.


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