Exame da OAB: A Ordem não inventou o Direito
- Alexandre Filho
- 5 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
No último domingo, dia 1º de dezembro, foi realizada em todo o território nacional a primeira fase do 42º exame da OAB. Em uma conversa com um colega que prestou o exame, ele me disse que estava nervoso por talvez não ser aprovado no certame. O receio é válido. No Brasil, como se sabe, para ter o poder postulatório (à exceção das previsões legais e constitucionais, como os Juizados Especiais), é necessário cumprir os requisitos do Art. 8º do Estatuto da OAB (Lei 8906/1994). Entre eles, o inciso IV: “aprovação em Exame de Ordem”.
A OAB, no entanto, como o título sugere, não inventou o Direito. Se eu quisesse ser mais específico, poderia dizer que a OAB não inventou nem Direito Brasileiro e, muito menos, a própria OAB. A primeira instituição a propor uma regulamentação da advocacia foi o IAB - Instituto dos Advogados do Brasil, fundado em 7 de agosto de 1843, no Rio de Janeiro, 15 anos após a criação dos cursos jurídicos de São Paulo e Recife (1827), sendo a primeira entidade de classe dedicada à advocacia no Brasil. Era, semelhante ao BAR nos Estados Unidos, uma associação privada.
Passados 87 anos, um mês após a revolução de 30 que colocou Getúlio Vargas no comando do Poder Executivo Nacional, foi decretada, via Decreto nº 19.408/1930, a criação de uma Ordem dos Advogados do Brasil com caráter autárquico, diferentemente do então IAB. Nesses pouco mais de 100 anos de Brasil (108 anos) e de cursos jurídicos (103 anos), havia pouquíssimos bacharéis em Direito por serem os cursos caros e localizados apenas em grandes centros urbanos. Essa carência levou à existência de Juízes Municipais sem curso superior, exigência esta apenas aos Juízes de Direito. Poucos eram os interessados a ocuparem cargos públicos.
Essa situação, todavia, não era exclusiva da primeira república (1889-1930), mas também presente na Monarquia. Em 1828, a Lei de 22 de Setembro previa aos não formados em direito a possibilidade de advogarem se prestassem um exame feito pelos Tribunais:
“Art. 2º Os negocios, que eram da competencia de ambos os Tribunaes extinctos, e que ficam subsistindo, serão expedidos pelas autoridades, e maneira seguintes:§ 7º Aos Presidentes das Relações compete conceder licença para que advogue homem, que não é formado, nos lugares, onde houver falta de Bachareis formados, que exerçam este officio, precedendo para isso exame na sua presença.” (sic)
Os Tribunais das Relações era o nome dado aos atuais Tribunais de Justiça. Essa permissão durou até a criação da OAB pelo Decreto de 1930 citado anteriormente. O Art. 17 desse Decreto curiosamente previa a participação do então IAB:
“Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, orgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pêlos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo.” (sic)
O Instituto dos Advogados Brasileiros regulamentou o tema e, aprovado pelo Governo, foi editado o Decreto 20.784 de 1931 que assim previa:
“Art. 12. Na Secretaria de cada secção serão inscritos os membros da Ordem, constituindo o quadro dos advogados da mesma secção.
Parágrafo único. Serão tambem inscritas os provisionadas e solicitadores, em quadro distinto, não podendo, porém, tomar parte nas discussões e deliberações” (sic)
De 1930 até 1963 (ano do antigo Estatuto da Advocacia), havia a previsão em Lei dos provisionados ou “rábulas”, como eram informalmente chamados. Sem os rábulas, a história jurídica do Brasil seria muito mais pobre. Tivemos rábulas que alcançaram notoriedade até mesmo frente à história, como Luiz Gama, natural de Salvador, filho de uma africana. Passou a exercer a advocacia atendendo escravos em suas mais diversas necessidades. Outro famoso rábula, mas mais conhecido por seus feitos religiosos e militares, foi Antônio Conselheiro, líder da Guerra de Canudos. O exercício dos rábulas não se limitava à advocacia, mas também à promotoria.
A partir de 1963 com a Lei 4.215, apenas os bacharéis em Direito poderiam exercer a advocacia, no entanto, sem Exame. A partir de 1994, apenas os bacharéis em Direito e aprovados no certame poderiam advogar, regra que vale até os dias atuais. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a existência da prova. Desde 2010 é realizado de maneira unificada em todo o Brasil e, salvo melhor juízo, desde 2013 pode ser feito antes de se graduar no curso.
Apesar de a OAB não ter inventado o Direito, acredito que a realização do Exame seja válida. Em verdade, defendo até que fosse mais “difícil”, mas não por aumentar a quantidade de questões a serem acertadas (atualmente 40 de 80 na primeira fase), mas, sim, por abordar mais questões de maneiras multifacetadas. Quando fiz a prova, há 2 anos, as dicas que mais escutava era: “entender como a banca cobrava”. Isso complica ainda mais a situação, pois, se não foi a OAB que inventou o Direito, muito menos foi a FGV. É claro que, como todo concurso público, a OAB precisa ter suas questões de “decoreba”, e é importante que as tenha, porém não pode se limitar a isso.
A todos que fizeram a primeira fase da OAB no domingo e realizarão a segunda fase, saibam que a história jurídica do Brasil se sustentou por aqueles que não tinham um diploma, seja acadêmico, seja da OAB; saibam que ser jurista vai muito além de ser considerado apto por uma instituição, ainda que seja muito nobre, como é a OAB. É fácil falar, eu sei. Eu passei por isso, mas não será isso que os impedirá de inventar o direito. Há sempre uma segunda chance.
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