Língua portuguesa, um traço de união Brasil-Portugal
- Alexandre Filho
- 13 de fev.
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O Clube de Regatas Vasco da Gama é o meu time do coração. Em seu hino, diz-se: “no futebol, és um traço de união Brasil-Portugal”. Nesse artigo, abordo a evolução da língua portuguesa nos dois países ao longo do tempo, principalmente desde a independência do Brasil.
Ao longo dos últimos séculos, as relações linguísticas entre Brasil e Portugal, marcadas por sua história compartilhada e por uma série de transformações políticas, sociais e culturais, têm sido moldadas por um complexo entrelaçamento de fatores. A linguagem, enquanto veículo primordial de comunicação e de construção de identidade, reflete as dinâmicas de poder e de influência entre as duas nações, que, embora compartilhem uma língua comum, possuem histórias distintas e, em muitos aspectos, divergentes.
Um dos momentos mais significativos dessa história foi a independência do Brasil em 1822, um evento que, ao separar o país da metrópole portuguesa, também gerou novas tensões linguísticas. Durante o século XIX, as duas nações, mesmo com suas relações distantes em termos políticos e administrativos, continuaram a compartilhar uma língua que, ao longo do tempo, passaria por diferentes transformações. Esse processo de evolução linguística no Brasil e em Portugal reflete não apenas as mudanças internas de cada país, mas também as influências externas, como as trocas culturais com outras nações e a evolução natural da língua.
A reforma ortográfica de 1911, implementada em Portugal, foi um dos marcos dessa evolução. Embora em um primeiro momento tenha sido uma decisão unicamente portuguesa, ela teve um impacto profundo nas relações linguísticas entre os dois países. A reforma buscou modernizar e unificar a escrita do português, mas suas implicações para o Brasil foram consideráveis, uma vez que as mudanças introduzidas em Portugal não foram imediatamente adotadas no Brasil, que, por sua vez, mantinha uma forma de escrita mais próxima ao modelo clássico do século XIX. Isso gerou um descompasso ortográfico que persistiu até o final do século XX.
Nos anos seguintes, as reformas ortográficas continuaram a ser um tema controverso. Durante o século XX, o Brasil passou a adotar várias modificações que se distanciavam do modelo original da língua portuguesa, promovendo uma simplificação e uma adaptação às necessidades do país. Em contrapartida, Portugal também iniciou seus próprios movimentos de modernização e unificação linguística, e as reformas de 1943 e 1971 refletiram esses esforços de alinhar as normas ortográficas entre as duas nações. No entanto, o processo de unificação da língua foi lento e muitas vezes problemático, gerando críticas, especialmente de cidadãos portugueses, que viam essas mudanças como uma imposição de uma norma linguística brasileira.
O Acordo Ortográfico de 1990 é um exemplo de uma tentativa mais recente de harmonizar as normas linguísticas entre os países lusófonos. No entanto, embora o acordo tenha sido amplamente adotado, ele ainda gera resistência em algumas partes de Portugal, especialmente em relação à perda de características que eram vistas como um reflexo da identidade nacional. Esse fenômeno, por sua vez, está intimamente ligado à percepção que muitos portugueses têm de sua posição no mundo contemporâneo. A ideia de que Portugal, uma nação que outrora foi um império, agora enfrenta desafios para manter sua relevância no cenário global, tem gerado um certo pessimismo generalizado, como se o país estivesse fadado ao declínio após o fim de sua era imperial. Essa visão de um Portugal que já foi grandioso, mas que agora luta para manter sua identidade e influência, é muitas vezes contrastada com a crescente importância do Brasil, uma nação de dimensões continentais e com uma economia em ascensão, que exerce uma forte influência sobre os países lusófonos.
No entanto, esse complexo de inferioridade, que também pode ser identificado em algumas percepções brasileiras, é igualmente problemático. O Brasil, por sua vez, muitas vezes enfrenta um dilema de complexo de vira-lata, no qual a percepção de um futuro promissor é constantemente frustrada pelas realidades econômicas e políticas. Embora o país tenha um potencial considerável, as dificuldades internas e a desigualdade social frequentemente impedem a concretização desse potencial. Essa dinâmica, portanto, cria uma relação ambígua entre Brasil e Portugal, onde ambos os países buscam uma forma de afirmar sua identidade e status no mundo contemporâneo, mas ao mesmo tempo enfrentam limitações que impedem que alcancem suas ambições.
Outro ponto significativo dessa discussão é o impacto da vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808. Esse evento, muitas vezes subestimado em sua importância, teve um efeito profundo na formação da identidade nacional brasileira. A transferência da corte portuguesa para o Brasil, acompanhada de um grande número de pessoas, ajudou a consolidar a Monarquia no Brasil e, mais tarde, a construção do Estado brasileiro. A permanência de membros da nobreza e da administração portuguesa no país após a independência também contribuiu para a formação de uma estrutura política e social que, em muitos aspectos, refletia as práticas e as influências portuguesas.
Essa relação de dependência e simultânea autonomia moldou o Brasil de uma forma única, criando uma estrutura política que, até certo ponto, pode ser vista como uma versão ampliada de Portugal na América do Sul. O Brasil, com sua vasta extensão territorial e diversidade cultural, tornou-se um reflexo de Portugal, mas em uma escala muito maior, criando uma espécie de monarquia expandida, cujas influências ainda podem ser vistas na estrutura política e cultural do país.
Em resumo, a história linguística e política entre Brasil e Portugal é uma história de continuidade e mudança. As reformas ortográficas, as percepções de identidade e as complexas relações de poder entre as duas nações são reflexos de um passado compartilhado e de um presente que ainda busca definir as dinâmicas de poder e cultura no mundo globalizado. As questões linguísticas, portanto, continuam a ser um campo fértil para a discussão sobre como as nações lusófonas, com suas tradições e diferenças, podem encontrar formas de se relacionar de maneira mais harmônica e equitativa, respeitando suas identidades únicas, mas também reconhecendo sua história comum.
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