Marco Temporal: A terra é de quem?
- Wendy Oze
- há 6 dias
- 3 min de leitura
“Ao meu passado
Eu devo o meu saber e a minha ignorância
As minhas necessidades, as minhas relações
A minha cultura e o meu corpo
Que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje?
Não sou escrava dele”
Música: Amarelo, azul e branco
Artistas: ANAVITÓRIA e Rita Lee
A tese do Marco Temporal tem sido um dos debates mais controversos sobre os direitos indígenas no Brasil. Defendida por setores do agronegócio e por proprietários de terras, essa interpretação jurídica sustenta que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de territórios que estivessem sob sua posse na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, ou seja, em 5 de outubro daquele ano. Contudo, para as lideranças indígenas e entidades defensoras dos direitos humanos, essa tese ignora séculos de violência, expulsões forçadas e marginalização.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) é um movimento que surgiu em 2005 durante o Acampamento Terra Livre, com o propósito de unir e fortalecer as diversas organizações indígenas regionais em uma frente unificada. A APIB atua como porta-voz dos povos indígenas, promovendo a luta pelos direitos territoriais, culturais e ambientais. Ela reúne várias organizações representativas, como a COIAB e o Conselho Terena, e tem como foco a proteção dos direitos humanos e a garantia do reconhecimento das diversas culturas indígenas. Desde seu surgimento, a APIB tem desempenhado um papel fundamental na mobilização e articulação dos povos indígenas, enfrentando desafios como a violência, a violação dos direitos territoriais e a falta de políticas públicas que respeitem a autonomia das comunidades indígenas.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) tem sido uma das principais vozes contra o Marco Temporal, mobilizando comunidades e sociedade civil para denunciar os impactos dessa tese. Segundo a APIB, a Constituição Federal garante aos povos indígenas o direito às terras que tradicionalmente ocupam, sem qualquer limitação temporal. A tentativa de restringir esse direito, segundo os críticos, representaria um grave retrocesso e uma violação a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
A questão também esbarra no Estatuto do Índio, legislação de 1973 que, apesar de precisar de atualizações, reconhece a necessidade de proteção aos territórios indígenas e dos direitos desses povos. Se a tese do Marco Temporal for consolidada, o Brasil pode testemunhar um aumento da insegurança jurídica para essas comunidades e o agravamento de conflitos fundiários.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido o palco dessa disputa. Em 2021, o julgamento de um recurso extraordinário que questiona a tese foi iniciado, mas suspenso diversas vezes. Enquanto isso, indígenas de todo o país continuam mobilizados, pressionando pela rejeição do Marco Temporal e pela garantia de seus direitos constitucionais.
Caso o Marco Temporal seja aprovado, as consequências serão severas, resultando na perda de terras por diversas comunidades indígenas, que poderão ser impedidas de regularizar seus territórios e, consequentemente, tornar-se mais vulneráveis. Além disso, a ausência de um espaço seguro pode comprometer sua identidade e cultura, privando-os de suas referências tradicionais e modos de vida. Ademais, os conflitos fundiários podem se intensificar, elevando o risco de violência contra as comunidades e suas lideranças.
A APIB e outras organizações, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Instituto Socioambiental (ISA), seguem na linha de frente dessa batalha. O CIMI, vinculado à Igreja Católica, tem atuado na defesa dos direitos indígenas desde a década de 1970, oferecendo suporte jurídico, denunciando violações e promovendo políticas de proteção às comunidades tradicionais. Já o ISA, organização da sociedade civil, desenvolve projetos de sustentabilidade, gestão territorial e defesa dos direitos socioambientais, contribuindo para a preservação das terras indígenas e a valorização das culturas originárias.
O Marco Temporal não é apenas um embate jurídico, mas um reflexo da luta histórica dos povos indígenas por reconhecimento, respeito e garantia de seus direitos constitucionais. O debate continua e exige atenção da sociedade, pois suas consequências ultrapassam as comunidades indígenas e afetam diretamente a biodiversidade e o equilíbrio ambiental do Brasil. Garantir a posse dessas terras é garantir que a nossa árvore de memórias não morra pela raiz.
Referências:
HOLMES, Thamires. APIB: entenda o que é esse movimento indígena e o que defendem. Politize! 04 fev. 2025. Disponível em: https://www.politize.com.br/apib/. Acesso em: 07 fev. 2025.
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