Mas, afinal, o que é o constitucionalismo feminista?
- Christine Peter
- 14 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Christine Peter[1]
Fabiana Berçott[2]
O constitucionalismo feminista, sob a perspectiva de uma teoria jurídica, propõe a inclusão das mulheres, em todas as suas interseccionalidades, como paradigma para analisar e criticar as estruturas de poder do Estado e as normas constitucionais, sob uma perspectiva de gênero, com o intuito de alcançar a igualdade de direitos entre homens e mulheres.
O constitucionalismo feminista, o qual tem se mostrado como um campo teórico emergente de estudos e pesquisas no Direito Constitucional, tem como objetivo central enfrentar a desigualdade de gênero e propor meios de garantir a igualdade de direitos e oportunidades para todas as pessoas, independentemente do seu gênero.
No que diz respeito à desigualdade enfrentada pelas mulheres, os movimentos e discussões feministas do final do século XX abordaram duas estratégias distintas, mas complementares. A primeira foi a busca por direitos fundamentais iguais aos dos homens, conhecida como igualdade formal. A segunda estratégia foi a reivindicação por uma abordagem jurídica que levasse em consideração as diferenças entre homens e mulheres, ou entre os conceitos de masculino e feminino, conhecida como igualdade substancial. Essas duas estratégias foram coordenadas de forma contínua (SILVA, 2022).
A luta pela igualdade substancial é crucial em diversos aspectos, desde a divisão das responsabilidades domésticas até as demandas por justiça na sociedade. Isso inclui a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e na remuneração por serviços prestados, acesso igualitário à educação e treinamento, e representação política nos órgãos legislativos, executivo e judiciário (FACHIN, 2023) ademais, os direitos sociais desempenham um papel importante na promoção não apenas do reconhecimento, mas, também, da efetivação da igualdade e na construção da participação política. (GUIMARÃES, FARIA, 2020).
De acordo com Cambi, Nosaki, Fachin, (2023) homens e mulheres, não considerados em termos binários, possuem igualdade perante a lei. No entanto, essa igualdade não se reflete na realidade devido a obstáculos capacitistas, discursos misóginos, pensamentos limitantes e violência estrutural provenientes de uma sociedade que diminui as tarefas realizadas pelas mulheres ou, em alguns casos, simplesmente as ignora - especialmente as tarefas domésticas. Até a promulgação da atual Constituição brasileira de 1988, as leis no Brasil sempre foram tendenciosas em favor dos homens e, em muitos casos, evidenciam claramente um viés machista, o que resulta na perpetuação de preconceitos e na discriminação contra as mulheres (SILVA, 2012).
Entretanto, a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, representou um avanço significativo no âmbito jurídico nacional em relação aos direitos das mulheres e à ampliação de sua cidadania. Essa conquista, no entanto, deve-se principalmente à atuação conjunta das mulheres na Assembleia Nacional Constituinte. Por meio das 26 deputadas eleitas e com a pressão exercida pelo movimento feminista brasileiro das décadas de 1970 e 1980, o Brasil foi mobilizado de ponta a ponta, possibilitando a apresentação de emendas populares que tinham o poder de eliminar leis que subordinavam as mulheres aos homens há séculos, além de sua exclusão das esferas de poder (SILVA, 2012).
Diante disso, é uma obrigação constitucional que os direitos das mulheres sejam efetivamente garantidos, o que requer a reinterpretação desses direitos através da lente do constitucionalismo feminista. Essa perspectiva reconhece que os direitos das mulheres são resultado de lutas sociais contínuas, propondo um método de interpretação constitucional feito por mulheres e para mulheres (CAMBI, NOSAKI, FACHIN, 2023).
Quanto aos fundamentos teóricos do constitucionalismo feminista, é importante mencionar que as relações sociais no início do século XXI estão passando por uma significativa transformação. Práticas e relações sociais antigas estão sendo confrontadas por uma nova forma de conhecimento, que surge a partir da intersecção entre diferentes campos do saber. Além disso, a interação entre relações sociais, que antes eram subjugadas, está sendo reconfigurada (SILVA, VIEIRA, 2021).
É preciso enfatizar que a importância de reconhecer que as mulheres também moldam, criticam e vivem a Constituição de um país está sendo difundida por ativistas, advogadas, juízas e acadêmicas. Isso traz a necessidade de examinar o que está em sobre a mesa: é fundamental questionar não apenas se as mulheres são incluídas nas Constituições, mas, mais importante, quando e de que forma garantir que essas Constituições sejam efetivas ao reconhecer e promover seus direitos fundamentais.
Além disso, o constitucionalismo feminista visa a repensar e reconstruir a democracia, garantindo a participação e representatividade das mulheres no campo do direito e, principalmente, da política. Através de uma perspectiva de gênero, busca-se questionar e reexaminar diversos temas do direito constitucional, propondo reescrita de conceitos e ideias genuínas para contribuir com o debate constitucional contemporâneo(FUCHS, 2020).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMBI, Eduardo; NOSAKI, Letícia de Andrade Porto; FACHIN, Melina Girardi tutela judicial das vulnerabilidades femininas: o papel do poder judiciário brasileiro na efetivação do constitucionalismo feminista judicial. Artigos Convidadas Especiais. Revista CNJ, v. 7, n. 1, jan./jun. 2023 | ISSN 2525-45002. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/177399/tutela_judicial_vulnerabilidade_cam bi.pdf. Acesso em 15 Jul. 2024;
FACHIN, Melina Girardi. Uma leitura feminista da CF/88 para os próximos 35 anos. 2023. Observatório Constitucional. CONJUR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-nov-18/uma-leitura-feminista-da-cf-88-para-os- proximos-35anos/#:~:text=O%20constitucionalismo%20feminista%20%C3%A9%2C%20portanto,o portunidades%20entre%20homens%20e%20mulheres. Acesso em 21 Ago. 2024;
FUCHS, Marie-Christine. Prefácio – Perspectiva de gênero: um desafio necessário e urgente para a Consolidação do Estado de Direito nas Américas. In: SILVA, Christine Oliveira Peter da; BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz; FACHIN, Melina Girardi (Coord.). Constitucionalismo feminista: expressão das políticas públicas voltadas à igualdade de gênero. Salvador: Editora JusPodivm, 2020;
GUIMARÃES, Ana Paula. FARIA, Luísa. O direito fundamental à igualdade de gênero em juízo. Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Disponível em: https://escola.mpu.mp.br/publicacoes/obras-avulsas/e-books-esmpu/direitos-fundamentais-em-processo-2013-estudos-em-comemoracao-aos-20-anos-da-escola-superior-do-ministerio-publico-da-uniao/2_o-direito-fundamental-a-igualdade-1.pdf. Acesso em 15 ago. 2024;
SILVA, Christine Peter da. Constitucionalismo Feminista pressupõe teoria do impacto desproporcional. Observatório Constitucional. 2022. Disponível em,: https://www.conjur.com.br/2022-dez-17/observatorio-constitucional constitucionalismo-feminista-igualdade-substancial-genero/. Aceso em 15 Ago. 2024;
SILVA, Salete Maria da. Constitucionalização dos direitos das mulheres no Brasil: um desafio à incorporação da perspectiva de gênero no direito. Interfaces Científicas – Direito, Aracaju, V.01, N.01, p. 59-69, out. 2012;
SILVA, Diogo Bacha e. VIEIRA, José Ribas Gênero e constitucionalismo: sobre a Lei de proteção às mulheres do Estado Plurinacional da Bolívia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 20211-340 Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 27(3): e58059 DOI: 10.1590/1806-9584-2019v27n358059. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/dPczYq6V7KtkNWzLCpyfcFH/?lang=pt&format=pdf. Acesso em 15 Ago. 2024.
[1] Doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB; Professora Associada do Mestrado e Doutorado em Direito das Relações Internacionais do UniCeub; Assessora de Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF.
[2] Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília – UnB; Membra da Liga Acadêmica de Processo Civil da UnB; Pesquisadora do Grupo de Pequisa Crítica Constitucional da Faculdade de Direito da UnB.
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