O Caso Irmãos Naves, um retrato das falhas do judiciário
- Ana Clara Tkaczyk
- 11 de mar.
- 4 min de leitura
A Justiça Brasileira, que sempre foi representada pela figura de uma mulher vendada, simbolizando a imparcialidade, deveria ser a base de uma sociedade justa e igualitária. Entretanto, essa ideia de justiça muitas vezes não se reflete na realidade do sistema penal, que frequentemente erra e condena sem as devidas investigações. O caso dos irmãos Joaquim e Sebastião Naves é um exemplo trágico das falhas desse sistema que muitas vezes em vez de buscar a verdade, acaba culpando inocentes de forma arbitrária.
O caso ocorreu no ano de 1937, quando o Brasil passava por um período de instabilidade política com a implementação do golpe do Estado Novo, liderado por Getúlio Vargas com o apoio das forças armadas. Nesse contexto, em Araguari, Minas Gerais, o que era para ser um pequeno negócio envolvendo a venda de arroz se transformou em um pesadelo para a família Naves.
Benedito Pereira Caetano, naquele ano negociou uma grande quantidade de arroz com o comerciante Antônio Lemos, recebendo deste, em pagamento, um cheque no valor de noventa contos, quarenta e oito mil e quinhentos réis, valor considerável para a época. Diante disso, Benedito decidiu descontar o cheque e comparecer com esse valor em mãos na festa de inauguração de uma ponte da cidade, acompanhados de seus sócios e primos, Joaquim e Sebastião Naves. No entanto, Benedito desapareceu misteriosamente, deixando os irmãos Naves preocupados e levando-os a comunicar o desaparecimento às autoridades.
Com a pressão por respostas rápidas e a incompetência da investigação, a polícia passou a atribuir aos irmãos Naves a culpa por um crime que, na sua versão, se tratava de um “assassinato” — o que, de acordo com o Código Penal atual, seria classificado como latrocínio. A versão alegava que os irmãos Naves teriam premeditado o crime e enganado Benedito com o intuito de se apossar do dinheiro que ele carregava. Eles foram acusados de enforcar a vítima e jogá-la no Rio das Velhas, sem qualquer prova material que sustentasse essa narrativa.
A polícia local, liderada pelo tenente Francisco Vieira dos Santos, buscava um culpado a qualquer custo, mesmo sem provas materiais. E não demorou para que a violência se tornasse o principal instrumento de investigação.
O que se seguiu foi um espetáculo de brutalidade. Os irmãos foram submetidos a sessões diárias de tortura. Eram espancados, afogados, queimados com pontas de cigarro e amarrados em árvores com o corpo coberto de mel para atrair insetos. Sebastião teve dentes arrancados com alicate, enquanto Joaquim era mantido sem comida e água por dias. Tudo isso com o objetivo de conseguir a confissão de ambos do crime de homicídio
Além das barbaridades realizadas com os irmãos, a polícia realizou a prisão de Dona Ana, mãe deles, que também foi presa e torturada, com o objetivo de forçá-la a confessar o crime. Ela sofreu diversos abusos tanto físicos quanto psicológicos, sendo acusada de ter recebido o dinheiro e escondido.
Apesar da falta de provas concretas, Joaquim e Sebastião foram levados a julgamento em 1938. O advogado João Alamy Filho, responsável pela defesa dos irmãos, argumentou a ausência de evidências e a inconsistência da acusação, afirmando que os réus eram pessoas íntegras e jamais cometeriam tal crime. No primeiro julgamento, realizado pelo Tribunal do Júri, os irmãos foram absolvidos, mas o Ministério Público de Minas Gerais recorreu, pedindo a realização de um novo julgamento. De acordo com a legislação da época, os réus deveriam ser mantidos presos enquanto o recurso fosse julgado.
No segundo julgamento, em 1939, os irmãos foram novamente absolvidos com base nos mesmos argumentos. No entanto, na época, o júri popular não tinha plena soberania, e o Tribunal de Apelação revisou o caso. Os desembargadores do Tribunal de Minas Gerais desconsideraram a decisão do júri e condenaram os irmãos a 25 anos e 6 meses de prisão, pena posteriormente reduzida para 16 anos.
Em 1946, após cumprirem 8 anos de prisão, os irmãos foram beneficiados com o livramento condicional. No entanto, em 1948, devido às sequelas das torturas sofridas, Joaquim faleceu. Somente 15 anos depois, em 1952, a verdade veio à tona, e Benedito Pereira Caetano estava vivo. Ele havia fugido da cidade por vergonha das dívidas que não conseguia pagar, assumindo uma nova identidade. Essa revelação tardia escancarou a injustiça cometida contra os irmãos Naves. O Estado, responsável pelas prisões e torturas, foi condenado a indenizar a família, porém, o dinheiro jamais será capaz de reparar as vidas destruídas.
O caso dos irmão Naves é um exemplo das falhas do sistema judiciário brasileiro, expondo não somente a tortura realizada mas também a necessecidades de reformas para que erros como esse não se repitam. A história de Joaquim e Sebastião Naves é um grito de alerta contra o abuso de poder e a injustiça institucionalizada. E se não aprendermos com o passado, continuaremos a condenar inocentes, destruindo vidas e perpetuando um sistema que mais pune do que protege.
ALAMY FILHO, João; PERSON, Luís Sérgio. O caso dos Irmãos Naves: o erro judiciário de Araguari. 1. ed. Rio de Janeiro: Círculo do Livro, 1960.
JUSBRASIL. Um dos maiores erros do judiciário brasileiro: Caso dos Irmãos Naves. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/um-dos-maiores-erros-do-judiciario-brasileiro-caso-dos-irmaos-naves/406797576. Acesso em: 9 mar. 2025.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ (MPPR). O caso verdadeiro dos Irmãos Naves. Disponível em: https://site.mppr.mp.br/memorial/Pagina/O-caso-verdadeiro-dos-irmaos-Naves. Acesso emO Caso Irmãos Naves, um retrato das falhas do judiciário
: 9 mar. 2025.
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