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O país onde o Congresso governa, o STF decide e o presidente negocia

Nota: Este texto é de caráter opinativo e não tem objetivo informativo ou educativo. As opiniões expressas são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os valores ou a posição do Jornal Três 


Acostumamo-nos a dizer que o Brasil vive um “presidencialismo de coalizão”, expressão criada por Sérgio Abranches ainda nos anos 80 para descrever o desafio que é governar um país presidencialista com um Congresso extremamente fragmentado. O que era uma constatação, no entanto, virou uma anomalia institucional: hoje, o Congresso não apenas impõe sua vontade — ele praticamente governa. O presidente, por sua vez, virou um gerente de relações públicas da Esplanada, enquanto o Supremo Tribunal Federal se tornou o grande árbitro da política nacional.

Nunca um Legislativo teve tanto poder no Brasil democrático. O orçamento impositivo, as emendas de relator (o famoso “orçamento secreto”) e a facilidade para derrubar vetos presidenciais transformaram o Congresso numa máquina poderosa de redistribuição de verbas — muitas vezes opacas, mas politicamente valiosas. Deputados e senadores, ancorados no Centrão, têm à disposição bilhões para turbinar suas bases, sem depender do bom humor do Executivo.

O “Centrão”, aliás, não é um partido nem uma ideologia: é uma cultura política. Surgido na Constituinte de 1987-88 como um bloco conservador para barrar avanços sociais e garantir interesses fisiológicos, ele se adaptou aos novos tempos. Hoje, não precisa mais pedir: ele ordena. Com poder sobre o orçamento e estabilidade nas presidências da Câmara e do Senado, esse grupo informal dita os rumos do governo — seja ele de esquerda, direita ou centro.

Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal ocupa um lugar curioso: tornou-se um poder que precisa ser levado em consideração em praticamente todas as decisões relevantes da República. Isso não é apenas culpa dos ministros: a Constituição de 1988 transformou o STF no guardião dos direitos e da ordem constitucional. O problema é quando o Judiciário precisa preencher o vácuo deixado por uma política fragmentada e uma presidência enfraquecida. O ativismo judicial cresce à medida que os demais poderes perdem capacidade de coordenação.

Mas nem sempre foi assim. Entre 1946 e 1964, o Brasil teve uma democracia instável, marcada por crises, renúncias, ameaças militares e um STF bem mais modesto. O Judiciário daquela época, embora formalmente autônomo, era tímido, submisso e, muitas vezes, conivente. Quando veio o golpe de 1964, o Supremo não resistiu: legitimou os atos institucionais e conviveu com o arbítrio durante duas décadas. O fortalecimento do STF, portanto, é recente — e talvez uma resposta à sua omissão no passado.

Hoje, vivemos um paradoxo institucional: o Legislativo, que deveria fiscalizar, controla o orçamento; o Executivo, que deveria liderar, vive em permanente negociação; e o Judiciário, que deveria ser árbitro, muitas vezes assume o papel de protagonista. Isso não é exatamente uma democracia disfuncional, mas está longe de ser um equilíbrio saudável entre os poderes.

O Brasil não está em crise permanente, mas está preso a um modelo de governabilidade que depende de acordos informais, orçamento pulverizado e poderes que se invadem mutuamente. O desafio é equilibrar o sistema — não para enfraquecer o Congresso ou o Supremo, mas para que o presidente possa, enfim, governar com clareza, responsabilidade e autoridade institucional. E para que os cidadãos saibam, com alguma certeza, quem manda — e quem deveria obedecer à Constituição.

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