Pachukanis: A crítica soviética a Hans Kelsen
- Alexandre Filho
- 23 de jan.
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Evgeni Pachukanis, um dos maiores juristas da União Soviética, revolucionou o pensamento jurídico ao propor uma análise materialista do Direito, em oposição às concepções normativistas predominantes. Sua crítica à Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, revela um embate entre duas visões antagônicas: o formalismo normativo e o materialismo histórico.
Para Kelsen, o Direito é uma ciência pura, desprovida de influências sociológicas, políticas ou psicológicas. Ele organiza as normas em uma estrutura hierárquica, conhecida como pirâmide normativa, e separa o "ser" do "dever-ser", criando um abismo entre a realidade e o ideal normativo. Contudo, Pachukanis rejeita essa visão. Ele argumenta que o formalismo de Kelsen desconsidera o conteúdo das normas e sua conexão com a realidade material. Para Pachukanis, essa abordagem pode legitimar até mesmo normas que sustentem sistemas opressivos, como o nazismo, uma vez que ignora o impacto social das leis.
A crítica de Pachukanis vai além da teoria pura de Kelsen. Ele propõe que o Direito deve ser compreendido como um reflexo das relações econômicas de uma sociedade. O conceito central de sua teoria é o "sujeito de direito", que surge do desenvolvimento das relações mercantis. Para ele, o Direito não é apenas um conjunto de normas, mas uma forma de mediação entre os indivíduos em uma sociedade baseada no valor de troca. O contrato, nesse contexto, representa a base das relações jurídicas, expressando as interações econômicas entre os indivíduos.
Pachukanis também vislumbrava o fim do Direito em uma sociedade comunista. Ele acreditava que o Direito era uma construção burguesa, destinada a manter o domínio de classe. Na transição para o comunismo, as formas jurídicas seriam adaptadas para proteger os trabalhadores, mas desapareceriam à medida que as categorias capitalistas, como lucro e propriedade privada, fossem extintas. Nessa sociedade ideal, onde o trabalho seria uma necessidade vital e não uma obrigação, as normas jurídicas não teriam mais razão de existir.
Sua visão do Direito Penal também refletia sua abordagem materialista. Para ele, o sistema penal burguês mascarava seu objetivo social ao tratar o crime como uma violação contratual. Pachukanis propunha substituir esse modelo por medidas voltadas à defesa da sociedade, eliminando a retribuição como fundamento da pena.
Entretanto, a ascensão de Josef Stalin forçou Pachukanis a revisar suas ideias. Sob a coletivização forçada e o capitalismo de Estado, o Direito não caminhava para sua extinção, mas para seu fortalecimento. Essa divergência com o regime stalinista culminou em sua perseguição, prisão e execução em 1937, selando o fim trágico de sua trajetória.
Embora controversas, as ideias de Pachukanis continuam relevantes para uma análise crítica do Direito. Elas desafiam o formalismo normativo e convidam à reflexão sobre a função do Direito em perpetuar desigualdades sociais. No Brasil, onde o ensino jurídico é amplamente normativista, o pensamento de Pachukanis oferece uma perspectiva instigante sobre a relação entre Direito, economia e poder, mostrando que, para entender o Direito, é necessário olhar além de suas formas e enxergar sua essência material.
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