São Paulo, Sociedade Anônima: a escala 6x1
- Alexandre Filho
- 19 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
O ano é 1943. O Presidente Getúlio Vargas decretou a Consolidação das Leis do Trabalho que, no seu Art. 58, prevê a duração do trabalho em 8 horas diárias. Antes disso, a carga horária era pulverizada e determinada de acordo com a profissão. Era comum, por exemplo, que trabalhadores cumprissem de 10 a 14 horas diárias. O trabalho infantil era legalizado (Decreto 1.313/1891) e as mulheres eram acostumadas a trabalhar na exaustão. Havia regras, como, por exemplo, menores de 12 anos não podiam trabalhar. Aliado a isso, não havia descanso semanal remunerado e a demissão podia ser feita sem justificativa.
A década de 1910. Greves e movimentos operários surgem, principalmente nas maiores metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, pressionando o poder público por jornadas menores, melhores salários, melhores condições de trabalho etc. Em 1907, por exemplo, o Presidente Afonso Pena sancionou o Decreto 1.637 que permitia a criação de sindicatos urbanos. Em 1919, Delfim Moreira sancionou o Decreto 3.724 que regulamenta as indenizações por acidentes de trabalho. Nesse período histórico, a Federação era mais centrífuga que a atual. Os Estados e Municípios legislavam sobre o tema, o que hoje é restrito apenas à União. Houve, por exemplo, a Lei Municipal 1.350/1911 do Rio de Janeiro que fixava o horário de trabalho dos empregados do comércio. As lojas que funcionassem por mais de 12 horas por dias deveriam ter dois turnos de empregados.
O ano é 2024. O movimento VAT (Vida Além do Trabalho), liderado pelo Vereador Rick Azevedo do Rio de Janeiro, levantou a pauta de acabar com a escala 6 x 1. A Constituição de 1988 reduziu de 48 para 44 horas semanais (8 horas diárias de segunda a sexta-feira e 4 horas no sábado), mas isso não é o suficiente, como disse o próprio Presidente Lula, à época Constituinte, em seu último discurso antes da promulgação da Constituição. No sítio eletrônico “Petição Pública”, o movimento endereça ao Congresso Nacional diz que “acredita que é possível alcançar um equilíbrio entre vida profissional e pessoal no Brasil” e “espera que nossas preocupações sejam levadas a sério”.
O ano é 1965. É lançado nos cinemas o filme “São Paulo, Sociedade Anônima” dirigido pelo Luís Sérgio Person. A história se passa no final dos anos 50 e conta a história de Carlos, um jovem paulistano de 25 anos, que, ao galgar novos cargos onde trabalha, torna-se gerente de uma fábrica de autopeças. Seu patrão é um sonegador de impostos e tem várias amantes. Ele trabalha muito, tem um bom salário, mas vive insatisfeito. De supetão, resolve fugir.
“Recomeçar, mil vezes recomeçar, recomeçar…”. O personagem principal vive um mal-estar. Está sempre em movimento. São Paulo, portanto, é uma personagem do filme. É demonstrada a correria da população paulistana no trabalho. Arturo, dono da fábrica de autopeças, esbanja uma vida de pequenos luxos, como várias amantes, mas ao custo de levar seus funcionários à exaustão. Em uma cena marcante, inspetores do Ministério do Trabalho visitam a fábrica e constatam várias irregularidades. Arturo resolve a situação de maneira diplomática e até convida os inspetores a voltarem para tomar um café. Isso, no entanto, acontece após nosso personagem Carlos, gerente que é, estressar-se com a possibilidade de ter a fábrica fechada por irregularidades minimizadas por Arturo.
Assim como Carlos, todos nós buscamos diariamente “recomeçar, mil vezes recomeçar”. Provavelmente inspirado no mito de Sísifo, condenado a passar a vida empurrando uma pedra morro acima só para vê-la tragicamente descer sem motivo, Carlos está sempre na esperança de construir um equilíbrio entre o labor e o viver. Tanto o movimento VAT hoje, quanto o filme “São Paulo, Sociedade Anônima”, são críticas à alienação que afeta tantos trabalhadores, mesmo após as conquistas da Consolidação das Leis do Trabalho.
REFERÊNCIAS:
https://www.conjur.com.br/2024-nov-14/pec-contra-a-escala-6x1-para-a-reducao-da-jornada-de-trabalho/
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