Você conhece o Direito Bioético?
- Wendy Oze
- 4 de fev.
- 4 min de leitura
O Código de Ética Médica, em seu artigo XIII, determina que o médico deve comunicar às autoridades competentes quaisquer formas de restrições do ecossistema que sejam aplicáveis à saúde e à vida. Mas afinal, o que pode ser considerado prejudicial à saúde e à vida? É nesse ponto que se inicia uma discussão abrangente sobre ciência técnica e ética, o que nos conduz ao campo da Bioética. Neste texto, não apenas abordarei as diversas opiniões e pontos de vista sobre o tema, mas também apresentarei o que a legislação estabelece a respeito.
O doutor e professor de Filosofia, Mateus Salvadori, define a Bioética como " o estudo interdisciplinar entre biologia, medicina, ética e direito, e investiga todas as condições necessárias para uma administração responsável do profissional de saúde em relação à vida humana em geral e da dignidade da pessoa humana em particular”. Ele também destaca o papel do Biodireito, “um ramo do Direito Público que se associa à bioética, estudando as relações jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos conectados à medicina e à biotecnologia, com peculiaridades relacionadas ao corpo e à dignidade da pessoa humana”.
A legislação brasileira, composta pela Lei nº 8.080/1990 - Lei Orgânica da Saúde, Lei nº 9.434/1997 - Lei de Transplantes, Lei nº 11.105/2005 - Lei de Biossegurança, e a Constituição Federal de 1988, juntamente com as resoluções do Conselho Nacional de Saúde e Comitês de Ética em Pesquisa, estabelecem diretrizes cruciais para o que é permitido ou não na prática médica e científica. Existem diversos casos debatidos sobre o direito bioético, abrangendo desde a clonagem até o aborto.
A Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) proíbe expressamente a clonagem humana, definida como "o processo de reprodução assexuada, produzido artificialmente, baseado em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética". Essa legislação visa proteger princípios éticos e a dignidade humana diante dos avanços biotecnológicos. A clonagem humana levanta debates profundos sobre a manipulação da vida, a possível criação de seres humanos como produtos e os riscos de discriminação genética. Além disso, como técnica experimental, a clonagem apresenta riscos significativos tanto para o clone quanto para a mulher que eventualmente participar do processo. No campo social, os impactos da clonagem humana poderiam ser imprevisíveis, com o surgimento de uma sociedade baseada em critérios eugenistas ou na desvalorização da singularidade da vida humana.
No Brasil, a eutanásia é considerada crime. O Código Penal a tipifica como homicídio, mesmo quando praticado com a intenção de aliviar o sofrimento do paciente. Essa posição reflete o princípio da inviolabilidade da vida, consagrado pela Constituição Federal. No entanto, a legislação brasileira permite a ortotanásia, que consiste na interrupção de procedimentos médicos extraordinários e inúteis que prolongam artificialmente a vida, permitindo que a morte ocorra de forma natural. O direito à vida é protegido como inviolável pela Constituição, reforçando as obrigações éticas e legais de preservá-lo. Paralelamente, o papel do médico é preservar a vida e aliviar o sofrimento do paciente, sem, contudo, agir para antecipar a morte. A legalização da eutanásia, por outro lado, poderia abrir precedentes perigosos, como casos de eutanásia não voluntária ou abusos contra pessoas vulneráveis.
A manipulação genética no Brasil é regulamentada principalmente pela Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) e outras normativas correlatas. Atos relacionados à manipulação genética podem configurar crimes, como o de perigo comum, quando envolvem riscos à saúde pública ou ao meio ambiente, além de gerar disputas sobre paternidade, responsabilidade civil e propriedade intelectual, conforme o Código Civil. Os principais desafios e debates nessa área incluem os riscos à saúde e ao meio ambiente, com impactos imprevisíveis sobre a biodiversidade e a saúde humana, bem como questões éticas relacionadas à manipulação da natureza, à criação de "bebês de designer" e à desigualdade de acesso essas tecnologias. Além disso, a propriedade intelectual sobre OGM’s (Organismos Geneticamente Modificados) suscita controvérsias sobre patentes e acessibilidade.
A utilização de células-tronco representa uma das áreas mais promissoras da ciência, com potencial para tratar doenças graves e regenerar tecidos e órgãos. No Brasil, a legislação permite o uso de células-tronco embrionárias obtidas de embriões produzidos por fertilização in vitro e não utilizados, desde que inviáveis ou congelados há mais de três anos, sendo obrigatória a autorização dos doadores informados para tal especificamente. Apesar do grande potencial terapêutico, a utilização de embriões humanos para pesquisa levanta dilemas éticos sobre a manipulação da vida e a destruição de embriões. Além disso, a pesquisa com células-tronco enfrenta desafios técnicos, uma vez que o estudo e a produção em laboratório bloqueiam tecnologias avançadas. Nesse contexto, a legislação precisa acompanhar os avanços científicos, buscando um equilíbrio entre a inovação e a proteção da dignidade humana.
O aborto no Brasil é, em regra, considerado crime pelo Código Penal, exceto em duas situações específicas: quando a continuidade da gestação coloca em risco a vida da mulher e quando a gravidez resulta de estupro. Nessas situações, o aborto não é penalizado, desde que o procedimento seja realizado por um médico em um estabelecimento de saúde. Contudo, o tema segue sendo amplamente debatido na sociedade devido a questões éticas e morais relacionadas ao início da vida, à autonomia da mulher e ao direito à saúde. Além disso, a prática clandestina de aborto, realizada em condições precárias, representa um grave risco para a saúde das mulheres. Entre os desafios enfrentados, destacam-se as dificuldades de acesso ao aborto legal mesmo nas hipóteses permitidas pela lei, os impactos negativos da criminalização, que não impedem a prática, mas expõem as mulheres a perigos, e os debates em torno da ampliação da legalização, com base nos direitos reprodutivos e na proteção da saúde pública.
Referências:
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2019. 108 p.
SALVADORI, Mateus. Bioética e Biodireito. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t4sMjqp07_0. Acesso em: [21/01/2025].
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